Quando a Manuela ganhou as eleições no PSD, o país ficou em suspense. Será que finalmente alguém iria oferecer uma boa luta ao eriçado Sócrates, que do alto do seu púlpito bracejava sem oponentes? O wrestling político nacional estava à vários anos sem confrontos entre pesos pesados e o país bocejava de tédio político e deprimia com a crise económica.
Quando a Manuela apareceu em público, composta, rígida e dura, eu acreditei que pelo menos era honesta. Cansados do discurso histérico do primeiro ministro, a Manuela tentava recuperar a moral dos políticos, devassada por lobbies obscuros e promessas bacoucas. Durante meses a Manuela manteve o suspense, não comentando o que não queria comentar e alimentando uma aura de mistério sempre favorável ao poder invisível. A estratégia de quem não se mistura com o comum dos mortais e está acima de qualquer dúvida terrena foi de facto inspiradora dos regimes mais autoritários da história.
Eis então que a Manuela decide abrir a boca e mostrar ao mundo português o que ela afinal representa. Nas primeiras entrevistas Manuela desenhava cenários económicos catastróficos em que não se vislumbravam saídas a não ser que a nossa salvadora, recta, implacável, pudesse o país em ordem. Nesta fase inicial, a Manuela preocupava-se com os pobrezinhos que viriam mais tarde, talvez também por milagre, a desaparecer do discurso. A sua moralidade férrea bateu-se igualmente contra o casamento entre homossexuais e proclamou o casamento para procriar.
Desde então a Manuela não nos para de surpreender ou confirmar a verdadeira essência da sua honestidade. Os Cabo-Verdianos e os Ucranianos não merecem o nosso respeito, o salário mínimo não deve ser aumentado porque poêm em risco a recuperação económica, as pequenas e médias empresas são a solução do problema. Ah afinal existe uma solução para o problema, a moralização da sociedade, o pequeno negócio, e os pobres ficarem pobres, pelo menos por enquanto...dá jeito para não aumentar o endividamento nacional.
Mas faltava a cereja em cima do bolo. A Manuela acha que também dava jeito parar a democracia durante seis meses para arrumar a casa, qual governanta de Salazar. A Manuela tem um sentido de humor apurado, fez piadas xenófobas e agora fez uma piada anti-democrática. O primeiro ministro agradece, a oposição agradece, todos nós agradecemos as revelações fora do contexto que mostram o que a Manuela é.
Num espectáculo hilariante, já lá vão uns bons anos, o saudoso Mário Viegas ironizava sobre a Manuela da Laca, referindo-se à Manuela Eanes e à pompa saloia e pretensiosa do regime. A Manuela Ferreira Leite faz-me lembrar as senhoras (e os senhores!) do antigo regime, no penteado, no vestir, no discurso e mais grave, nas entrelinhas do discurso. A Manuela afirma-se como uma verdadeira democrata e ela até acredita que é. Eu e felizmente muitos outros portugueses é que já não acreditamos.