quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Manuela Sem Laca


Quando a Manuela ganhou as eleições no PSD, o país ficou em suspense. Será que finalmente alguém iria oferecer uma boa luta ao eriçado Sócrates, que do alto do seu púlpito bracejava sem oponentes? O wrestling político nacional estava à vários anos sem confrontos entre pesos pesados e o país bocejava de tédio político e deprimia com a crise económica.

Quando a Manuela apareceu em público, composta, rígida e dura, eu acreditei que pelo menos era honesta. Cansados do discurso histérico do primeiro ministro, a Manuela tentava recuperar a moral dos políticos, devassada por lobbies obscuros e promessas bacoucas. Durante meses a Manuela manteve o suspense, não comentando o que não queria comentar e alimentando uma aura de mistério sempre favorável ao poder invisível. A estratégia de quem não se mistura com o comum dos mortais e está acima de qualquer dúvida terrena foi de facto inspiradora dos regimes mais autoritários da história.

Eis então que a Manuela decide abrir a boca e mostrar ao mundo português o que ela afinal representa. Nas primeiras entrevistas Manuela desenhava cenários económicos catastróficos em que não se vislumbravam saídas a não ser que a nossa salvadora, recta, implacável, pudesse o país em ordem. Nesta fase inicial, a Manuela preocupava-se com os pobrezinhos que viriam mais tarde, talvez também por milagre, a desaparecer do discurso. A sua moralidade férrea bateu-se igualmente contra o casamento entre homossexuais e proclamou o casamento para procriar.

Desde então a Manuela não nos para de surpreender ou confirmar a verdadeira essência da sua honestidade. Os Cabo-Verdianos e os Ucranianos não merecem o nosso respeito, o salário mínimo não deve ser aumentado porque poêm em risco a recuperação económica, as pequenas e médias empresas são a solução do problema. Ah afinal existe uma solução para o problema, a moralização da sociedade, o pequeno negócio, e os pobres ficarem pobres, pelo menos por enquanto...dá jeito para não aumentar o endividamento nacional.

Mas faltava a cereja em cima do bolo. A Manuela acha que também dava jeito parar a democracia durante seis meses para arrumar a casa, qual governanta de Salazar. A Manuela tem um sentido de humor apurado, fez piadas xenófobas e agora fez uma piada anti-democrática. O primeiro ministro agradece, a oposição agradece, todos nós agradecemos as revelações fora do contexto que mostram o que a Manuela é.

Num espectáculo hilariante, já lá vão uns bons anos, o saudoso Mário Viegas ironizava sobre a Manuela da Laca, referindo-se à Manuela Eanes e à pompa saloia e pretensiosa do regime. A Manuela Ferreira Leite faz-me lembrar as senhoras (e os senhores!) do antigo regime, no penteado, no vestir, no discurso e mais grave, nas entrelinhas do discurso. A Manuela afirma-se como uma verdadeira democrata e ela até acredita que é. Eu e felizmente muitos outros portugueses é que já não acreditamos.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Afinal Os Homossexuais São Pessoas!


A discussão do casamento entre pessoas do mesmo sexo na assembleia da república revelou o abismo entre as posições dos vários grupos parlamentares espelhando de alguma forma a divisão que existe na sociedade em relação a este tema. O que alguns deputados se esquecem é que a sua função na assembleia não é somente representar os cidadãos que os elegeram mas legislar de acordo com a constituição da república e atender aos direitos fundamentais de TODOS.

Em primeiro lugar saúdo a iniciativa do BE e dos Verdes em propor este projecto lei que promove  direitos iguais para todos os cidadãos, independentemente da sua orientação sexual, em consonância com a evolução da sociedade e da crescente abertura e afirmação da comunidade Gay, Lésbica, Bissexual e Transgénero. O PSD e o CDS-PP voltaram a invocar argumentos claramente homofóbicos e consequentemente anti-constitucionais e outras razões levianas e retrógradas para descriminar um grupo de cidadãos.

Ambos o PSD e o CDS-PP invocaram o argumento bacoco que já vi em vários blogues e imprensa escrita que esta não é uma prioridade do país neste momento. Como contrapôs o BE, na excelente resposta de Luís Fazenda, então os direitos fundamentais dos cidadãos não são sempre uma prioridade do Estado? E  o sofrimento dos cidadãos que advém da discriminação dos outros e de terem de esconder as suas relações afectivas, também não são uma prioridade? Para estes partidos os interesses dos cidadãos só se devem centrar na economia, o que é quase dizer que os cidadãos são uma coisa económica, cujas demais dimensões a assembleia deve discutir quando lhe sobra tempo.

O PSD invocou o casamento como pilar milenar da família, cuja preservação está em risco, não vão os heterossexuais casados começarem a querer divorciar-se para se casarem com outros do mesmo sexo. Foi triste ver o deputado António Montalvão falar empolgado dum daqueles fatos azuis com os ombros armados e óculos de massa, que me fez lembrar as figuras do Estado Novo, e mais grave, com ideias próprias dessa época. Esta ideia peregrina de que os homossexuais, quais agentes patogénicos, desvirtuam o casamento e a família esconde a cegueira perante o evoluir da sociedade e da própria família. Quantas famílias fragmentadas conhecemos, quantos casais divorciados, quantos tipos diferentes de famílias  surgem à nossa volta? Afinal queremos aceitar e conviver com a diversidade? E as leis, devem acompanhar e até preconizar a evolução da sociedade ou manterem-se fiéis a paradigmas do passado?

O CDS-PP foi mais longe no ímpeto homofóbico comparando o alargamento da instituição do casamento a pessoas do mesmo sexo à poligamia, e já agora porque não ao incesto e à zoofilia? Afinal só faltou dizer que os homossexuais são aqueles animais predadores sem sentimentos que andam à caça de garinos no Parque Eduardo VII como foi tantas vezes visto um certo dirigente do CDS-PP. Deve ter sido por isso que o Nuno Melo iniciou o seu discurso com a ressalva que respeitava a orientação sexual de cada um. Mas em que contexto? Na boa tradição dos pastéis de nata da direita, sabe-se mas não se fala, não vá algum santo cair do altar e a madre igreja zanga-se connosco.

Quanto ao PS não percebo nada. É a favor mas vota contra, não acha oportuno mas para a JS, para o Manuel Alegre e para outros tantos deputados do PS já era oportuno. O PS mostrou-se perante esta questão como o primeiro ministro e outros tantos políticos, pouco-à-vontade. Porque é que será? Actualmente, os comportamentos homofóbicos, considerados clinicamente disfuncionais têm duas explicações técnicas: ou são por ignorância, estranheza e consequente resposta agressiva perante algo desconhecido ou insegurança quanto à sexualidade do próprio. O PS é seguramente inseguro sexualmente.

Durante a semana, inúmeros debates e reportagens, em particular na SIC, na RTP e nos jornais fizeram o papel da verdadeira democracia, falar do que se tem reservas em falar e que diz respeito a todos. Através da televisão as pessoas puderam ter contacto com os homossexuais pessoas e não com a coisa abstracta do casamento homossexual. Curiosamente pude constatar que as pessoas que participavam nos debates e entrevistas que tinham conhecimento ou amizade com homossexuais tomavam uma posição mais liberal e dignificante dos direitos da comunidade LGBT. O casamento dos homossexuais quando se torna visível no nosso vizinho do lado torna-se humano, deixa de ser algo longínquo e abstracto e suscita uma reacção afectiva que na maioria dos casos ultrapassa os preconceitos culturais. Cabe à comunidade LGBT tornar-se mais visível, dar a cara, dizer que existe e que é feita de carne e osso para que os outros nos olhem como iguais.

No final da semana, as sondagens que há um ano atrás tinham cerca de 70% da população contra o casamento homossexual, baixaram para pouco mais de 50%, o que é significativo num país claramente conservador nos costumes. Vale a pena debater, vale a pena viver em verdadeira democracia e vale a pena lutar contra a homofobia! Apelo a toda a comunidade LGBT que não votem nos partidos que não nos reconhecem igualdade de direitos. Desta vez perdemos no Parlamento mas ganhámos na Opinião Pública. Não tardará que um beijo e um abraço entre gays, lésbicas, bissexuais, transgéneros seja visto simplesmente como um beijo e um abraço .


domingo, 5 de outubro de 2008

Os políticos e o casamento gay


Foi com enorme incredulidade que soube hoje a notícia de que o grupo parlamentar do PS iria impor disciplina de voto contra a proposta de casamento entre pessoas do mesmo sexo e o PSD tomava uma posição oficial reprovando a mesma proposta. Enquanto cidadão português, europeu e homossexual, envergonho-me destas posições hoje tomadas, manifestamente homofóbicas, que me descriminam a mim e a tantos outros homossexuais face aos cidadãos com outra orientação sexual.

            Várias questões se levantam contra os argumentos invocados por ambos os partidos. A democracia Portuguesa é mesmo democrática quando não reconhece os direitos das minorias e a igualdade de  direitos entre todos os cidadãos? Com que legitimidade os políticos descriminam um grupo de cidadãos com base na orientação sexual, contrariando o artigo 13º da constituição e as recomendações da União Europeia?

            O PS invoca a falta de oportunidade da proposta não agendada pelo Governo. Mas então o governo só aprova propostas agendadas por si enquanto simultaneamente reclama propostas da oposição. Parece-me este argumento paradoxal e pouco convincente. Com a proximidade das eleições parece-me que o PS está com receio do impacto desta proposta no eleitorado do centro, esquecendo-se que afasta de si outros eleitores, que como eu, neste dia, trocaram o voto no partido socialista pelo voto no bloco de esquerda. Ainda assim, espanta-me que um partido de esquerda (ou de direita) imponha como prática dita democrática a disciplina de voto. Esta prática sugere-me que os deputados não podem exprimir as suas opiniões enquanto indivíduos e responder livremente aos círculos eleitorais que os elegeram. Vou ficar sem saber quem são os deputados que apoiam a descriminação dos homossexuais e os que são contra. Vou ficar sem saber qual a posição dos meus representantes na Assembleia da República, ou melhor, fico a saber que o partido no qual votei nas últimas eleições, decide perpetuar uma lei que me descrimina segundo a regra dita democrática do rebanho.

            Também fiquei a saber pelo líder parlamentar do PSD, Paulo Rangel, que  "Numa sociedade multicultural nós também temos de respeitar os sentimento duma larga maioria de pessoas que vê no casamento uma instituição com determinadas características e que veria adulterar se ela tivesse outras características". Sendo assim, vamos passar a decidir as propostas de lei de acordo com o sentimento da larga maioria das pessoas, descriminando o sentimento das minorias.  Será que a maioria das pessoas também pensa que o casamento serve essencialmente para procriar, o outro argumento defendido pelo PSD, e tão "homofobicamente" expresso pela sua dirigente algum tempo atrás?

            Por último e para aumentar ainda mais a minha incredulidade soube que o Sr. Morais Sarmento, no programa "Falar Claro" da RR, referiu que a JS teria ido buscar "ao pipeline dos disparates" a prioridade dada ao casamento homossexual. Há alguns meses atrás notei surpreendido que o Sr. Morais Sarmento estava a meu lado na secção gay da Fnac do Chiado, a folhear literatura gay, tendo escolhido um livro de fotografias de rapazes meio despidos que viria a pagar à minha frente na caixa. Uma de duas hipóteses, ou o Sr. Morais Sarmento tem um amigo homossexual para o qual estaria a escolher um presente de gosto requintado ou o Sr. Morais Sarmento gosta de livros com fotografias de rapazes despidos. Eu estou-me perfeitamente nas tintas para o que o Sr. Morais Sarmento faz na sua intimidade bem como todos os outros políticos. Eu não quero é que eles decidam que eu tenho de ser como eles e esconder o que não quero esconder.